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O poder dos mitos e das realidades da imigração na Europa

Texto: Ionline | Foto: Direitos Reservados 

Ao terrorismo o que é do terrorismo. À imigração o que é da imigração. Como em muita coisa na vida, legislar a quente nunca é bom para ninguém.

“A imigração está no centro do debate político no Ocidente, apesar das diferenças entre a posição europeia e a norte americana.” Gideon Rachman, Financial Times

Durante as últimas décadas, dentro do chamado universo de países fundadores do projecto europeu, as políticas públicas adstritas às matérias da imigração, asilo e refugiados, conheceram mutações que, paulatinamente, puseram em concorrência duas teses em relação à melhor forma de lidar com o fenómeno da imigração na Europa. De um lado uma perspectiva mais securitária, mais fechada, e nalguns aspectos a roçar algum racismo e xenofobia disfarçados. De outro lado, uma perspectiva mais humanista e realista, em que o fenómeno migratório é abordado de forma positiva e em que a imigração é vista não como um problema, mas sim como uma oportunidade. Ambas as teses se fundam numa Europa que perdeu (perde) população e tem o seu estado--providência, cada vez mais em causa. A primeira “tese”, que poderá ser baptizada como a da “Europa-fortaleza”, parte mais de mitos que de realidades comprovadas. A segunda tese, que poderá ser baptizada da “Europa do realismo”, parte mais de realidades que de mitos (ou papões!) pouco comprovados. Nesta contenda entre as duas teses, o debate público tem estado minado por generalismos, falta de estudo e pela obsessão anti-imigração por parte de quem verdadeiramente ou não gosta ou não conhece (e se reconhece) na herança cristã e humanista da Europa ao longo dos séculos.

Além disso, a dificuldade de existir de iure e de facto uma verdadeira política pública comunitária para a imigração, tem dado espaços vazios em excesso à chamada “nacionalização” das políticas de imigração por parte dos estados. Neste domínio da imigração temos Europa a menos e estados a mais. Neste particular, não fará mal a ninguém dos dois lados acompanhar, estudar e avaliar o debate e a evolução da política dos EUA protagonizada pelo presidente Obama. Nos EUA, além da discussão, decide-se, cada vez mais na tradição fundadora daquele país.

Os recentes atentados de Paris e da Dinamarca vieram encher o peito aos securistas, que agora acham ter chegado o momento de recuperar espaço e tempo perdido nestas matérias, confundindo, muitas vezes com má-fé terrorismo com imigração, desemprego com imigração, multiculturalismo com anti-Europa, etc. Falam de coisas que não existem. Exigem fronteiras fechadas, o regresso ao passado da não circulação de pessoas, bens e capitais, exigem a retirada da nacionalidade muito para além do razoável e culpam disfarçadamente (em muitos casos) os judeus por coisas sem sentido.

 

Estão a brincar com o fogo. Ao terrorismo o que é do terrorismo, à imigração o que é da imigração. Como em muita coisa na vida, legislar a quente nunca é bom para ninguém. É preciso que se recentre a temática, se desmascarem mitos e se valorizem realidades. A Europa precisa de imigrantes, por razões económicas, sociais, culturais, religiosas e democráticas. Sei que afirmar e defender isto não é popular, mas é a realidade. Estudos e mais estudos atestam-no e não é de agora. A Europa da absolutização da técnica, do relativismo, do laicismo populista e radical, de algum anticlericalismo ignorante, do “Charlie Hebdo”, precisa de uma abordagem positiva e humanista nas matérias de imigração. A Europa velha deve parar para pensar que o que gera a violência não é tanto a glorificação de um Deus, como o esquecimento de um Deus de outra religião. Já Michel Houlebecq, recentemente e de forma provocatória afirmou que “somos os últimos filhos do iluminismo e só a religião será essencial para a sobrevivência das sociedades e nos poderá ajudar”. 
Escreve à segunda-feira.

Publicado: Segunda, 23 Março, 2015

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