São poucos, mas agarrados às suas tradições. Cerca de meia centena de imigrantes do Leste a residir em São Miguel vão encontrar-se no próximo sábado para celebrar o seu verdadeiro Natal. Isto porque a sua Igreja Ortodoxa segue o calendário Juliano, que tem um atraso de duas semanas.
Recebem as prendas antes do nosso Natal a 25 de Dezembro, mas só o celebram duas semanas depois, quando aqui se assinala o Dia de Reis, que encerra a quadra natalícia. E para quem segue a tradição, o Ano Novo só chega a 14 de Janeiro.
É assim o calendário da Igreja Ortodoxa, praticada por muitos imigrantes da Europa do Leste a residir em São Miguel.
Os ortodoxos seguem o calendário Juliano, enquanto os católicos seguem o calendário Gregoriano. Entre os dois calendários, há um atraso de duas semanas do calendário Juliano em relação ao Gregoriano, o que faz com estejamos a comemorar o nosso Natal quando os católicos estão a assinalar o Dia de Reis, explica Anguelina Bykova, de 25 anos, natural da Ucrânia. Anguelina está há sete anos em Portugal, onde os seus pais se instalaram em Évora e veio para a Região para cursar Estudos Europeus e Política Internacional na Universidade dos Açores. Actualmente estagia na Associação dos Imigrantes nos Açores (AIPA). Pela tradição ortodoxa, as prendas são entregues ainda antes do nosso 25 de Dezembro, no Dia de São Nicolau (um santo associado à figura do Pai Natal), celebrado a 19 de Dezembro. Outra curiosidade é a das prendas não serem colocadas junto à árvore de Natal, mas sim debaixo de almofadas. E ao contrário dos católicos, para quem toda a quadra natalícia está associada a excessos alimentares, os ortodoxos evitam a carne durante as semanas que antecedem o Natal e mesmo a grande ceia, que por esta altura tem lugar, não tem carne na mesa. A ceia de Natal ortodoxa é composta por 12 pratos, que simbolizam os 12 apóstolos. Entre entradas, sopas e refeições principais, abundam as hortaliças, o peixe ou os cereais, mas os doces também não ficam de fora da ementa de Natal. Depois da ceia, é tradição as pessoas irem para a igreja, a partir de onde grupos de jovens, vestidos a rigor, enfrentam o frio e vão de porta em porta, com uma estrela na mão, a entoar cânticos de Natal. Os ortodoxos vivem divididos em dois calendários desde a revolução de 1917 na Rússia, onde foi adoptado oficialmente o calendário ocidental. Contudo, nos lares, sobretudo das pessoas mais tradicionais, o velho calendário ortodoxo vigorou sempre. Apesar de todos termos visto pela televisão Moscovo a comemorar a passagem de ano no dia 1 de Janeiro, no dia 14, há nova passagem de ano para os ortodoxos. Diferenças que podem já não dizer muito aos mais novos como Anguelina, mas que os mais velhos não deixaram para trás: os meus avós, por exemplo, comemoravam outra vez a passagem de ano no dia 14 e árvore de Natal permanecia em casa mais ou menos até ao dia 20 de Janeiro, recorda. Mas há outra diferença substancial entre o Natal ortodoxo e o católico. É que, ao contrário dos católicos, que sobrevalorizam o Natal, sobretudo por questões materiais que há muito fugiram ao controlo da Igreja, os ortodoxos ainda consideram a Páscoa como a principal celebração religiosa do ano, não dando tanta importância ao Natal. Hoje, já estou habituada a esta folia, mas na Ucrânia não destacamos tanto o Natal, nem oferecemos tantas prendas como aqui. Como destacamos lá mais a Páscoa, nos meus primeiros tempos cá, sentia falta de Páscoa, revela Anguelina. Mas numa antiga União Soviética que viveu mais de 70 anos sob um regime comunista onde a prática religiosa não era reconhecida oficialmente, continua a haver ainda hoje fervor religioso? Depende dos países e das regiões, mas por exemplo na região da Ucrânia de onde venho, a religião ortodoxa regressou em força e, como nasci ainda no tempo da União Soviética, lembro-me ainda bem da altura em que só os meus avós falavam em Natal e tudo era muito discreto, revela Aguelina. Nos Açores, reside actualmente cerca de meio milhar de imigrantes do Leste da Europa em situação legal, sendo que mais de metade destes são oriundos da Ucrânia. || Casa alugada para acolher ceia de Natal O Natal Ortodoxo começou a ser celebrado entre a comunidade do Leste em São Miguel no ano passado, em parte por causa das crianças que todos os sábados frequentam a escola na AIPA para tentarem não perder o contacto com a cultura do seu país de origem. Para este ano, uma casa alugada no Cabouco deverá acolher mais de meia centenas de pessoas no próximo sábado (na noite do dia 9 e não na de 6 para 7, como é tradição, para não interferir com os trabalhos). Segundo revelou ao Açoriano Oriental Oleksandra Myrovych, uma das organizadoras do Natal ortodoxo em São Miguel, a vinda de um sacerdote para dar um cunho mais religioso ao Natal vai ficar adiada por mais um ano, por falta de verbas. À falta de um templo ortodoxo, há imigrantes do Leste a frequentar as igrejas católicas.
Fonte: Açoriano Oriental - edição dia 06-01-2010
Publicado: Quinta, 07 Janeiro, 2010
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