Os crioulos de Cabo Verde, da Gulné-Bissau ou de S. Tomé e Príncipe dominam as conversas no recreio da Escola Preparatória da Damaia. Também se fala russo, ucraniano, moldavo, chinês, quimbundo (Angola), romani (ciganos) e inglês, este último por ser universal. O que aqui se vê e ouve é uma autêntica babel, cujo denominador comum é a aprendizagem da língua portuguesa. Actualmente, 67% das escolas nacionais, do básico ao secundário, já têm estudantes cuja língua materna não é o português.
Na Escola Preparatória Pedro d'Orey da Cunha, paredes meias com a Cova da Moura, na Damaia, a maioria dos alunos são oriundos dos PALOP. No total, são 62% dos 500 inscritos, e é impossível impedir que falem crioulo nos recreios, embora tal seja exigido no regulamento. "Deve-se valorizar a cultura e a língua do aluno, mas têm que falar português para que haja integração", justifica António Gamboa, presidente do Conselho Executivo.
O estabelecimento é um exemplo do que foi a primeira vaga de imigrantes dos PALOP. Por isso, não admira que continuem a ser maioritários na população estudantil do sistema público português. Mas a tendência está a inverter-se, como demonstra um inquérito do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, "Situação Escolar dos Alunos Cuja Língua Materna não É o Português", no ano lectivo 2004/2005, feito a pedido do Ministério da Educação.
80% dos alunos que não têm o português como primeira língua nasceram fora de Portugal. Angola é o país de onde vieram mais alunos (13,4%), seguindo-se Brasil e Ucrânia, com 9,6% cada. Surge depois um conjunto de "jovens pertencentes a uma segunda geração de emigrantes, nascidos em França, Suíça, Alemanha, Canadá e África do Sul, assim como um grupo relevante que provém da Europa do Leste, como a Ucrânia, a Moldávia e a Roménia". Entre os 20% que nasceram em Portugal, cerca de 30% têm ascendência de Cabo Verde, 15% de Angola e 11% da Guiné-Bissau. E cada vez há mais estudantes com pais asiáticos.
Os de Leste e chineses são os que mais ganham com as aulas de apoio de português da escola da Damaia, dadas por uma professora do ensino básico destacada para esse efeito. É o caso do Daniel Creange, recém -chegado da Moldávia e que está no 5º ano. Um mês e meio de estudo que já dá para perceber o essencial, desde que as pessoas falem devagar. Falar é mais difícil, o que não o impede de conviver com todos os colegas. Mas estes também facilitam. Estão habituados a ouvir outras línguas e a comunicar sem ser em português. "Esta é uma vantagem da escola. Quando abriu, há 20 anos, havia problemas de racismo. Isso acabou", garante António Gamboa.
Sucesso escolar depende do domínio da língua portuguesa
"Da primeira vez, deram numa amiga nossa." "Na segunda, apanharam à grande." "Na terceira, só não repetiram a dose porque veio a polícia." Esta é a versão de um grupo de alunas da Escola Preparatória da Damaia, entre os 14 e os 15 anos, para explicar o culminar da rivalidade entre a sua escola e a Secundária D. João V.
O Conselho Executivo exigiu responsabilidades. Quem estraga paga e todos pagam, garante Armando Louro, vice-presidente. Mas também se transforma o prejuízo em beneficio. Evita-se a todo o custo que os alunos abandonem o ensino sem a escolaridade. E aos 16 anos podem enveredar pela via profissional.
É o caso da Fátima, da Sónia, da Dulce, da Roqui, da Elísia e da Gracinda, alunas das duas turmas de currículos alternativos e que estiveram envolvidas nos desacatos. Sonham com profissões como cabeleireira, médica e cantora, mas o problema no momento é o facto de os estudantes do secundário poderem ter uma associação, o que está impedido aos do 2º ciclo. Assim, formaram um grupo, apoiado pela direcção, para fazerem as suas festas. A primeira está marcada para dia 24, com música e dança, nos vários crioulos. Podem ter convidados exteriores e, assim, interessarem-se pelas aulas, nomeadamente de português.
O domínio da língua portuguesa é fundamental para o sucesso escolar, conclui o inquérito "Situação escolar dos alunos cuja língua materna não é o português". Refira-se que 60% dos estudantes com origens estrangeiras não vão além de um "suficiente" e 20% têm negativa. Mas a taxa de abandono é apenas de 1%. Os mais bem sucedidos são os nascidos na Moldávia, Suíça, Alemanha, Roménia e Ucrânia.
Diário de Notícias
Publicado: Terça, 14 Fevereiro, 2006
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