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Europa presa à bomba-relógio da imigração e estado providência

Os dados espelham a dimensão da crise. Mais 20% dos jovens imigrantes em Espanha e Inglaterra estão no desemprego. Mais de 50% nas zonas suburbanas de Paris. Os mesmos desempregados que são a esperança de uma Europa a braços com a falência do seu Estado de providência. Os mesmo que prometem ser a solução para uma União preocupada com a insustentabilidade dos sistemas de apoio social onde poucos pagam e muitos recebem. Até 2020, vinte milhões de europeus vão entrar na reforma sem substitutos à vista. Um cenário agravado pelos espasmos nacionalistas em período de crise multicultural. Hoje, o desafio da emigração na Europa equilibra a eficiência económica com a igualdade social, numa balança onde pesam os objectivos sociais e a necessidade de garantir votos. "O efeito económico, positivo na análise dos ganhos colectivos e de produção de riqueza nas sociedades europeias, não identifica a distribuição dos ganhos pelos membros", gastos que derivam muitas vezes para a economia informal. (Biffl, G., Immigration: The potential impact on EU society). Os próprios efeitos da imigração no crescimento económico dependem de outros factores: as diferenças na poupança, consumo e nível de vida dos emigrantes europeus produzem resultados diferentes em cenários diversos. A produtividade, fruto da maior mobilidade dos novos trabalhadores, é positivamente afectada. Regra geral, os recém-chegados ocupam segmentos que os nacionais não desejam, nem mesmo quando o emprego escasseia. Parte da resistência social tem razões laborais: mais oferta, redobrada pressão sobre os salários nacionais, maior taxa de substituição do trabalho nacional. Mais natalidade, iguais prestações Os dados espelham apenas a realidade estatística, ou não faltasse o outro lado da moeda. Hoje, a natalidade expectável nos novos imigrantes tem como contraponto a débil sustentabilidade do estado de providência. Apesar de representarem mais três quartos do crescimento populacional da Europa, é fraca a integração nos sistema de segurança social. Em Portugal, apenas 6,7% dos imigrantes estão inscritos. Tendo como destino a UE 15, a imigração dos últimos contribuiu para o aumento do desemprego e das desigualdades na distribuição dos rendimentos. Mais velhos e mais caros, são os cidadãos da Velha Europa que recusam a entrada e a garantia de direitos aos novos imigrantes, a maioria oriunda de países fora do espaço comunitário. Provam-no os incidentes na Holanda e na Bélgica, o recrudescimento dos ódios isolacionistas que garantiram a Joerg Haider e e a Jean Marie Le Pen margens substanciais de um eleitorado descontente. "A crise económica europeia coloca a sociedade europeia em estado de defesa (a tentação de se tornar uma "fortaleza") e torna mais difícil de gerir os fluxos migratórios e o consequente multiculturalismo." Os recém-chegados a outro país são quase sempre vistos como estranhos, "indivíduos construídos com base em diferenças de status, raça ou diferenças religiosas", acrescenta Rinus Penninx, do Instituto (conferir). Resta um princípio básico para o futuro, acrescenta, "tornarem-se parte aceite da sociedade. Que soluções? Mais coordenação a nível europeu para ultrapassar as perspectivas nacionais na resolução dos problemas. A receita consta do estudo "Impact of migration on society and policies" (Salt, John; Penninz e Todisco, E.), a publicar em breve pelo Conselho da Europa. A NÍVEL EUROPEU 1. Definição de um quadro legal a nível europeu, que integre imigração e integração, superando a atitude muitas vezes proteccionista dos estados-membro. 2. Definição de políticasquadro para a imigração, com definição dos critérios de residência, direitos familiares e de casamento. 3. Políticas anti-discriminação europeias, adaptáveis às diferentes realidades nacionais. ESTRATÉGIAS NACIONAIS 1. Prioridade aos imigrantes nos domínios sociais, em especial no direito à habitação e educação. Prioridade à integração religiosa, sindical e política nas comunidades locais, como factor de integração. 2. Monitorização da eficácia das políticas de integração. O acompanhamento constante das comunidades deve contrariar os efeitos perversos da integração: altas taxas de desemprego, abandono escolar, precariedade laboral e doméstica. Criação de um kit para os novos residentes: aprendizagem da língua nacional, treino cívico, entre outros. O FUNDAMENTAL 1. A transparência do processo de admissão e legalização deve ser uma prioridade. "As expectativas de residência devem ser correspondidas com oportunidades de participação nas políticas nacionais" e "as políticas de integração devem ser definidas consoante as necessidades dos imigrantes. Por último, "as estratégias nacionais devem cruzar as políticas públicas e a mobilização, num processo aberto "que dê lugar a uma sociedade mais diversa e coesa." Eduardo Lourenço - Escritor "A Europa não tem um modelo social" Miguel Pacheco mpacheco@economicasgps.com Os recentes incidentes em França são um sinal da falência do projecto social europeu? Há duas versões do projecto social europeu, virtual ou realmente antagónicas: a da tradição socializante e a que, agora, se chama neo-liberal - melhor seria apelidar de norte-americana. Ou, latamente, anglosaxónica. Em França (e mesmo na Inglaterra) nenhuma delas é "pura". Desde a implosão soviética, a vaga de fundo vai no sentido neo-liberal e a antiga herança socializante, com o Estado em papel decisivo, quer na ordem económica quer nas outras, resiste como pode (mal) à onda dominante. A Europa, política e socialmente partilhada entre o "modelo inglês" e o "francês", infelizmente, não tem um modelo social, navega entre os dois. Com a entrada do antigo Leste o problema complicou-se. Nem em outra coisa consiste a palpável crise que atravessa. A crise francesa é o reflexo dessa crise e, ao mesmo tempo, o seu núcleo duro, como o "não" ao projecto de Constituição Europeia de sobra o ilustrou. Evidenciam a incapacidade do Estado em garantir o equilíbrio do tecido social fora da esfera do Estado-providência? Se por Estado Providência se entende um Estado que não é indiferente ao bem colectivo e se implica, mais do que formalmente, em gerir o equilíbrio das forças sociais que promovem e garantem esse bem-estar, todos os estados, pelo menos os de tradição democrática europeia, são mais ou menos estados providência. Dos mais liberais aos mais intervenientes. Se Estado Providência quer dizer Estado que, autoritariamente, se substitui ao papel e à acção das diversas forças sociais que o constituem, como na utopia do socialismo real, o caso é outro e já lhe conhecemos os efeitos. Desastrosos. A ausência de um modelo social integrador pode gerar crescentes focos de conflito entre os habitantes da "velha" e "nova" Europa? Parece-me que a Velha e a Nova Europa são uma só, salvo na perspectiva da doutrina Rumsfeld que é, não a da América toda, mas da sua actual administração. De qualquer modo, os modelos sociais europeus, mesmo com as suas recentes diferenças, estão mais próximos uns dos outros que do modelo social americano, se existe esta figura sócio-política, fora da sua eficácia ou sucessos pragmáticos, bens relativos, ambos. A crise económica dos últimos anos na Europa conduziu à negação de um legado de tolerância e multiculturalismo? A crise económica europeia (bem relativa no contexto mundial) coloca a sociedade europeia em estado de defesa (a tentação de se tornar uma "fortaleza") e torna mais difícil de gerir os fluxos migratórios e o consequente multicultaralismo. A tradição de "tolerância" europeia não tem mais do que quatro séculos e dizia respeito não à relação da Europa com a não-Europa, mas com a atitude - sobretudo a religiosa - tomada em relação às diversas opções de ordem interna europeia, provocadas pela Reforma. O problema da tolerância, no nosso pós-guerra e pós-colonização deixou de ser um problema éticoreligioso do espaço europeu para se converter numa questão ético-étnica, de convívio entre culturas de tradições e história social muito diversa da europeia. Não ganhamos nada em imaginarmos que somos os EUA, filhos de uma autocolonização recente e continente da emigração mundial, a começar pela nossa, europeia. Infelizmente a Europa não tem, sequer, uma doutrina e uma resposta para o fenómeno da nova emigração que lhe bate à porta. E é urgente que a tenha antes que esse drama se converta no "handicap" supremo da construção europeia. Para isso, essa Europa deve "existir" com ainda não existe, tornando-se realmente, enquanto tal, actor e sujeito da História, o que só é a título colectivo e desordenado. O impacto da emigração nas contas portuguesas Contribuem mais do que recebem. No retrato das contas nacionais de emigração ressaltam os contribuintes líquidos, perto de 6,7% do total de trabalhadores segundo as contas de 2004 da Segurança Social. Segundo os dados do HESS, apenas 4,3% dos que recebem subsídio de desemprego são imigrantes e só 2,9% recebem subsídio de doença. O baixo valor das contribuições é influenciado pelos baixos salários, com os imigrantes a representarem apenas 3% do total de descontos. Em 2004, garantem os dados do Eurostat, a imigração é responsável por 87% do aumento da população portuguesa, apesar das limitações impostos pela UE à entrada de imigrantes. Um cenário igual ao do resto da Europa dos 15, onde é a imigração que tem compensado as quebras na natalidade. No tecido social português, os oriundos dos PALOP e da Europa de Leste continuam a assumir a principal fatia da comunidade imigrante e lideram nas remunerações à segurança social (27,6% e 31,5% respectivamente). Dois terços dos trabalhadores imigrantes são homens, com uma média de idade de 35 anos, mais um ano do que a média feminina Na análise por regiões, é no Algarve que os imigrantes contribuem mais para a Segurança Social, chegando aos 20% do total de contribuições. Em Albufeira, por exemplo, o mesmo número atinge os 49%. As últimas contas relativas ao pagamento de impostos remontam a 2001, quando o pagamento de IRS e IVA contribuiu com 157 milhões de euros para os cofres do Estado. Hoje vivem em Portugal 225 mil imigrantes. M.P Miguel Pacheco Diário Económico

Publicado: Quarta, 16 Novembro, 2005

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