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“Fechei a porta com a expectativa de voltar”

“Fechei a porta com a expectativa de voltar”

Amélia Meireles foi a nossa convidada do programa “O Mundo Aqui” do passado dia 12 de janeiro. O seu primeiro romance e o percurso de vida foram tema de conversa.  

Nasceu em Vila Nova de Gaia em 1953 e com apenas 4 anos emigra para Angola, onde vive até aos 23. Em 1974, a guerra colonial que assolava o país forçou-a a abandonar a terra. Dois anos mais tarde, vem viver para os Açores, onde se licenciou em enfermagem, tendo trabalhado no Hospital Divino Espírito Santo e lecionado na Universidade dos Açores. 

  Hoje, as memórias deste ‘abandono’ estão reunidas no livro A minha fuga de Angola - do que ficou ao que trouxemos de África. O livro, como ela própria admite, é um registo exclusivamente auto-biográfico e o argumento para tal opção é um forte incentivo para entrarmos nas páginas desse romance: “o que se passou comigo foi tão forte que a forma mais genuína de o partilhar com o público era escrevê-lo na primeira pessoa”.

A nossa conversa começou pelo motivo pelo qual Amélia Meireles resolveu partilhar com o público uma história que, não obstante da dimensão coletiva, tem uma base muito pessoal: “porque às vezes temos a obrigação de partilhar com os outros aquilo que vivemos e que nos enriqueceu. E mostrar que mesmo naquilo que é menos positivo, há sempre coisas positivas e que devemos seguir em frente”. 

Quanto à duração da realização da obra, a autora conta que o livro não demorou para ser escrito. “Quando comecei a contar a história, não mais parei porque não era possível parar e alongar seria muito mais doloroso”. Doloroso porque, segundo Amélia, não é fácil relembrar o quanto se foi feliz num sítio, sabendo que este “bom não teve continuidade”. “Houve alturas em que escrevi com as lágrimas a cair”, acrescentou. 

Esta partilha da sua história foi a forma que descobriu para se apaziguar. “Eu vim de lá com a sensação de que estava a trair o meu país, com a noção de abandono”. 

Sobre a partida, recorda-se de ter fechado a porta de casa e vir-se embora com a expetativa de voltar. “A cidade estava a ser bombardeada e tínhamos de esperar que se criassem as condições para depois regressar, mas não foi possível”. O sentimento que lhe ficou foi de que estava a ser espoliada, “porque nos tiram tudo e o que mais nos magoa é termos de deixar o nosso bairro, os amigos e até os nossos sonhos”.  

Questionamos-lhe sobre o que sentiu na viagem para lisboa. A resposta antecedeu de uma pequena hesitação para responder que em contexto de guerra “quando somos colocados num avião com a sensação de que se pode morrer a qualquer altura, ficamos meios embebedados, sem sequer perceber a dor que é partir, querendo ficar”.      

Quisemos saber como lidou com este ‘abandono forçado’ da sua terra. A autora responde que são as lembranças o remédio para quando se sente mais abandonada por aquele passado. Mas também as tradições e rituais que tinha na terra são mantidos ainda hoje e ajudam a consolar as saudades. 

Perguntamos-lhe se já pensou regressar a Angola para (re) vivenciar a sua infância. “Eu serei capaz de um dia voltar, mas julgo que não irei aos mesmos lugares. Seria tão doloroso, eu estar a caminhar pela mesma rua e não estar lá. Há quem diga que não devemos voltar aos sítios onde fomos felizes”, responde. E hoje consegue ouvir notícias do seu país? “Consigo, mas não quero ver algumas imagens. Gosto de saber o que se passa lá. Gosto de saber que aquele país que eu deixei está em desenvolvimento. Gosto porque estão a falar da minha terra”. 

A 8 de abril de 1976, Amélia e o marido vêm para os Açores para serem padrinhos de uma sobrinha, mas também com a expetativa de conseguir trabalho. “Quando se perde tudo quer-se começar a reconstruir de novo o nosso império”, contou. A vida começou a encarreirar e fomos ficando por aqui”, disse. 

Em relação à ilha de São Miguel diz que ficou deslumbrada com o verde e com o mar. “Eu digo no livro que é diferente, mas soube muito bem ter o mar novamente comigo e acho que isso ajudou-me a aceitar o não poder regressar”. 

Ficamos a saber que outro livro está a ser trabalho e desta vez o pano de fundo da história será São Miguel. “Eu acho que é um contributo que devo a esta terra que me acolheu e que é minha também de coração”.

Angola e São Miguel são duas paixões de Amélia, mas se lhe perguntarem qual é a sua terra responde: “tenho três terras, a de nascimento, a de criação e a de coração”. 

 

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