Professor na Universidade de Oxford, director do Centro de Estudos para os
Refugiados e conselheiro do Governo para a imigração, Stephen Casdes
acredita que o controlo das fronteiras não conseguirá, por si, acabar com a
imigração ilegal nos países europeus.
Em última análise, os estados não têm meios para definir quantos imigrantes
e que imigrantes entram no seu território. Numa economia competitiva,
globalizada, privatizada, são as necessidades de mão-de-obra das empresas o
grande motor da imigração. Estejam os governos dispostos ou não a receber
mais trabalhadores estrangeiros, não há forma de parar a sua entrada se o
mercado continuar a ver nos imigrantes clandestinos uma oportunidade para
praticar, impunemente, salários mais baixos.
PÚBLICO - O antigo comissário europeu dos Assuntos Internos e da Justiça,
António Vitorino, disse a semana passada que a sua maior frustração foi não
conseguir que os estadosmembros da União Europeia (UE) chegassem a um
entendimento sobre a política de asilo e de imigração. Parece-lhe que isso
acontecerá no futuro?
Stephen Castles - É uma pergunta difícil. Uma das poucas coisas que os
estados-membros julgam que ainda podem controlar efectivamente é a gestão da
imigração. E, por isso, eles não pretendem abdicar desse poder. Mas a
realidade é que é muito difícil controlar as fronteiras. Não se pode ser uma
sociedade aberta, em termos económicos e culturais, e travar a entrada de
imigrantes. Acho que, a longo prazo, a integração económica na União
Europeia terá que levar a uma política de imigração comum.
O que achou da forma como António Vitorino desempenhou o cargo?
Verificaram-se alguns progressos. Vitorino não foi tão longe quanto queria,
mas houve harmonização em algumas áreas. Acontece que há muitos entraves,
nesta área, na UE. O primeiro é a dificuldade em persuadir todos os
estados-membros a terem uma abordagem comum. A segunda é uma consequência
de, no interior da própria Comissão Europeia, existirem diferentes
sensibilidades sobre o assunto. Há, portanto, um longo caminho a percorrer.
O número de refugiados na Europa está a diminuir, porque alguns governos
entendem que a maioria não são verdadeiros refugiados, mas sim imigrantes
económicos...
É quase impossível fazer essa distinção. Estudámos os países de onde os
refugiados vêm e os dez primeiros são países onde há guerras civis,
conflitos étnicos, violência. Em todo o caso, as pessoas migram por várias
motivações simultaneamente. Alguém que foge da Somália, onde há vários
conflitos, para um campo de refugiados no Quénia, e a partir daí tenta ir
para um país desenvolvido, é ou não um refugiado?
A que se deve o receio dos europeus, que gostam de se apelidar de tolerantes
perante a imigração?
Nos últimos anos houve de facto uma mobilização da opinião pública contra a
imigração e o asilo. E há várias razões para isso. Muitas pessoas,
nomeadamente pessoas das classes trabalhadoras, sentemse ameaçadas pelas
mudanças que ocorrem à sua volta no mercado de trabalho. As pessoas que têm
uma aparência diferente, que falam de forma diferente, que são culturalmente
diferentes, porque mais visíveis são, para elas, os culpados dessas
alterações.
O que e um engano. Porque as mudanças são causadas pela globalização e pela
evolução da economia. São esses factores que verdadeiramente determinam o
fim de certos postos de trabalho, ou os deslocam para outros países. Para
estas pessoas é muito difícil entender as causas verdadeiras do problema e
muito fácil culpar os imigrantes.
Alguns países europeus, como Portugal, têm apostado no sistema de quotas
para regular a imigração, tendo por base as oportunidades de trabalho. O que
pensa disso?
Não estou muito por dentro do sistema português. Na Grã-Bretanha, esse
modelo acabou por servir para privilegiar os imigrantes qualificados em
detrimento da mão-de-obra sem formação. E isso e um erro, uma vez que na
Grã-Bretanha há uma grande necessidade de preencher postos de trabalho que
não requerem qualificações, e que a população local ou não sabe fazer ou não
quer fazer.
Se nos recusamos a ter um sistema que recrute esses trabalhadores,
inevitavelmente eles vão entrar de forma ilegal. E isso é mau. Seria muito
melhor para a ordem pública dar condições a essas pessoas. Enquanto
conselheiro do ministério da Administração Interna britânico, digo sempre
que é preciso integrar também estes imigrantes e indicar de forma realista
quantos e que são efectivamente necessários ao nosso mercado de trabalho.
E o que é que o Governo lhe responde?
Na Grã-Bretanha temos uma imprensa, sobretudo a imprensa popular, muito
anti-imigração. E o Governo está com muito medo de perder eleições por causa
deste tema. O que os responsáveis da Administração Interna me dizem é que a
sua política resulta da necessidade de mostrar à opinião pública que o
Governo está a controlar a situação. Sucede que não há forma de controlar a
situação se o Governo não atender às necessidades dos imigrantes e dos
empregadores.
Defende uma política de "portas abertas"?
Pessoalmente não defendo fronteiras abertas. Se as fronteiras estiverem
completamente abertas, numa altura em que há uma desigualdade tão grande no
mundo, há o perigo real de ocorrer uma vaga de imigração laboral tão grande
que isso originaria uma crise no emprego passível de despertar hostilidades
contra os trabalhadores estrangeiros.
Eu prefiro uma política de imigração dirigida, que reconheça as necessidades
reais do mercado de trabalho, que permita que as pessoas se estabeleçam
dentro de um quadro legal. Acho que não se pode acabar com a imigração
ilegal apenas com o controlo das fronteiras.
"Austrália e Canadá têm os modelos mais bem sucedidos"
Stephen Castles elogia os modelos de imigração da Austrália e do Canadá,
afirmando mesmo que o multiculturalismo nasceu aqui. Mas sublinha que há
limites ao multiculturalismo: a lei do país de acolhimento.
Com as estadias dos imigrantes nos países de destino a ocorrerem por
períodos cada vez mais curtos, qual a motivação para os governos e mesmo
para os imigrantes investirem na sua integração?
De facto, é muito mais fácil para as pessoas, hoje, mudarem de país.
Antigamente, quando os meios de transporte eram lentos e caros, a maior
parte das pessoas mudavam de país para sempre. Hoje é tão rápido e barato
viajar que elas saem e retornam aos seus países frequentemente. Hoje, os
migrantes vão trabalhar para um país durante dois ou três anos, juntam algum
dinheiro, e passado esse tempo podem voltar aos seus países de origem.
Em Portugal, a última vaga de imigrantes, vinda do Leste em 2001, parece não
querer voltar.
Há casos assim. Na Alemanha, por exemplo, 90 por cento dos imigrantes que
entraram no pais na década de 70 acabou por ficar. E a explicação para isso
é que, no processo da imigração, as pessoas envelhecem, as suas atitudes
mudam, bem como as suas condições de vida. Se as pessoas tiverem família, se
as crianças já frequentarem a escola, é muito mais difícil para elas
partirem. O que uma boa política de imigração deve ter em conta é o
seguinte: muitas pessoas partirão passados dois, três anos; mas muitas
outras ficarão, independentemente da vontade dos governos.
Um estrangeiro há dois anos num país deve poder votar?
Numa democracia, qualquer pessoa tem sempre alguns direitos: direito de
acesso à justiça, à segurança social, a pertencer a um sindicato ou a uma
associação. Acho, no entanto, que as pessoas não devem ter o direito de
votar após um ano de permanência. Na Escandinávia e na Holanda introduziram
uma lei que permite ao imigrante votar após estar há cinco anos no país.
Parece-me uma boa lei.
Quais são os modelos de imigração, no mundo, mais bem sucedidos?
Começo pelo da Austrália, que é o que conheço melhor. Aqui, todos os anos o
ministro da Imigração faz uma consulta ao sector da indústria, aos
sindicatos, às associações. Qualquer grupo pode participar, e, com base
nessa auscultação, define-se uma quota anual de entrada. Os requerentes
podem ir a qualquer consulado do mundo e candidatarem-se, sendo que depois
há um processo de selecção. Funciona muito bem. E a taxa de entrada é
elevada: cerca de 120 mil pessoas por ano. Num país com cerca de 20 milhões
de habitantes, significa um aumento entre 0,5 e um por cento da população
por ano.
E quanto ao Canadá, também referenciado como um modelo de sucesso?
O sistema é parecido com o australiano. Mas os números são mais elevados,
com a entrada anual de imigrantes a oscilar entre os 200 mil e os 300 mil
imigrantes. O multiculturalismo nasceu aqui, como forma de se garantir o
respeito pela minoria francofona. E resultou muito bem. As pessoas têm o
direito de usar a sua própria língua, a sua própria religião. Toronto é a
cidade mais multicultural do mundo.
Quais são os limites do multiculturalismo?
Eu sou a favor do multiculturalismo porque a oposição entre culturas não é
saudável. Acho que o fundamentalismo islâmico, nomeadamente, resulta de uma
tentativa de suprimir essa cultura. Mas, obviamente, entendo que há limites.
E o limite é a lei. A mutilação genital feminina, por exemplo, é contra a
lei.
Mas esse é um caso consensual. O problema surge quando falamos dos
casamentos arranjados, por exemplo...
Essa é, de facto, uma questão complexa. Mas os países democráticos dão à
mulher o direito de decidir com quem casar. Portanto, as mulheres têm a
protecção da lei se não se quiserem submeter a um casamento arranjado pela
família. Mas não se pode suprimir essa prática, a menos que elas digam que
são contra.
Algumas terão receio de o dizer...
Mas não podemos presumir, por princípio, que elas são a favor ou contra. O
rei e a rainha tiveram um casamento arranjado, faz parte da sua cultura. O
que se deve tentar fazer é garantir a liberdade de escolha.
Público
Publicado: Terça, 15 Março, 2005
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