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Envelhecimento de Portugal só pode ser atenuado pela imigração

Por João Ramos de Almeida, Público 27 de Agosto de 2008 A população portuguesa poderá crescer mais do que o previsto pelo Governo português e só diminuir duas décadas mais tarde do que o esperado oficialmente, caso se concretize o cenário das projecções populacionais do Eurostat entre 2008 e 2060, ontem divulgadas. O Ministério do Trabalho parece congratular-se, mas esta previsão pressupõe um saldo migratório anual três vezes superior ao esperado pelo Governo. As projecções do Eurostat a quase 50 anos de distância traçam as principais tendências populacionais da Europa e dão um panorama das grandes linhas de evolução demográfica em todo o continente (ver pág. 3). Mas partem de um conjunto de pressupostos para o crescimento populacional que poderão ser discutíveis. Como se pode ler na nota metodológica do documento distribuído, este é apenas um dos cenários possíveis e baseia-se na concepção de que os Estados membros irão convergir no longo prazo (até 2150) para uma matriz sócio-económico e demográfica comum (ver caixa). Para Portugal, a projecção acaba por ser mais optimista quanto a um cenário de decréscimo próximo da população como era o traçado em 2006 pelo grupo de trabalho que esteve na base da construção dos cenários oficiais, para a análise de medidas para um equilíbrio financeiro da Segurança Social. Essa previsão justificou um conjunto de medidas de reforma que vieram, naquele ano, reforçar a sustentabilidade do sistema. Uma nota do Ministério do Trabalho enviada ao PÚBLICO sublinha o aspecto de que a "população vai crescer mais do que se previa na anterior projecção" (mais 6,1 por cento contra uma quebra esperada de 4,5 por cento). Crescerá mesmo a um ritmo superior ao da média europeia. Enquanto o Eurostat estima uma inflexão da população apenas entre 2040 e 2050, o Governo português aceitou que a população diminuísse entre 2020 e 2030. Para o Eurostat, o estrato etário que contribuirá para essa expansão é, sobretudo, a parte de população em idade activa (entre os 15 e os 64 anos), o que trará efeitos na redução do índice de dependência de idosos. O ministério chama a atenção para o facto de se ter reduzido o peso dos idosos face ao cenário oficial, o que representará um ligeiro alívio para a Segurança Social. Mas este cenário terá de ser visto com cautela. Por exemplo, o sociólogo e investigador Tiago Santos, do centro de investigação de ciências sociais e humanas Númena, estranha os valores para Portugal. O rácio de dependência dos idosos mede o peso dos idosos na população em idade activa e, consequentemente, a relação entre a população que possa financiar o sistema e a parte da população que beneficia dos descontos. A melhoria é, contudo, apenas ligeira. Grosso modo, ambas as previsões estimam que, se em 2010 haverá cerca de quatro potenciais activos a financiar um idoso, em 2060 serão apenas dois (1,7 pessoas para o Governo e 1,9 pessoas para o Eurostat). Ou seja, uma quebra para metade. 2,3 milhões de migrantes Em segundo lugar, a diferença entre os dois cenários parece estar, sobretudo, na previsão do Eurostat para um fluxo migratório mais poderoso do que o esperado pelo Governo. A discrepância entre o Eurostat e o grupo de trabalho oficial não é despicienda e deve-se aos pressupostos distintos de que partiram. O Eurostat considera que Portugal deveria esperar, no final do período de 2060, um saldo acumulado de cerca de 2,3 milhões de migrantes. Isto é, um saldo migratório positivo de 44 mil pessoas por ano, o que, face às estatísticas oficiais é, para Tiago Santos, "um número surpreendentemente grande", mesmo tendo em atenção a migração ilegal. Ora, o grupo de trabalho oficial foi, em 2006, mais comedido. O saldo migratório líquido seria de 36 mil pessoas em 2005, passando para 18,3 mil em 2010, de 16,6 mil em 2015 e, a partir desse ano, de 15 mil. Ou seja, caso se somasse esses saldos líquidos anuais atingir-se-ia um valor de 900 mil pessoas, cerca de 40 por cento do previsto pelo Eurostat. De qualquer forma, a tendência de fundo é coincidente em ambos os cenários. Os efeitos de um envelhecimento da população portuguesa apenas poderão ser atenuados por uma migração mais significativa. Como ler os números O cenário é um dos possíveis. Pressupõe que a UE esbaterá as diferenças socioeconómicas e culturais. Fertilidade, mortalidade e fluxos migratórios estimaram-se com base numa trajectória de convergência. Ou seja, a esperança de vida é superior onde haja níveis actuais mais baixos. A migração convergirá para zero em 2150. O conceito é o do "saldo migratório acumulado", que, segundo INE, "não pode ser 'lido' como o total de imigrantes" num dado momento. Traduz, sim, a diferença entre fluxos migratórios de entrada e saída no país, independentemente da nacionalidade dos migrantes. Artigo publicado no Público http://www.publico.pt

Publicado: Quinta, 28 Agosto, 2008

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