As autoridades espanholas estimam que o grupo organizado desmantelado recentemente numa operação conjunta com as autoridades judiciais lusas tenha escravizado cerca de 3000 portugueses nas zonas de La Rioja, Navarra, Alava (País Basco) e Saragoça. Este número e outros pormenores foram divulgados ontem, em Espanha, numa conferência de imprensa que juntou responsáveis do Ministério Público e das polícias dos dois países que participaram na acção, desenvolvida no âmbito do Eurojust, um organismo europeu de cooperação.
O balanço da operação tinha começado a ser feito na passada semana, na Polícia Judiciária (PJ) do Porto, que também esteve na conferência de ontem, juntamente com Almeida Pereira, o procurador do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto que investiga o crime organizado e violento. Do lado espanhol, estiveram o procurador de La Rioja, Juan Calparsoro, e o comandante da zona da Guardia Civil, Francisco Arribas.
Ao todo, nos dois países já foram detidas 28 pessoas (26 portugueses e dois espanhóis). Dos 31 mandados europeus de detenção emitidos, faltam cumprir três - dois dizem respeito a indivíduos que se encontram na Suíça e o terceiro está em nome de uma pessoa que se encontra internada num hospital em Portugal.
Em Espanha, foram detidos 21 suspeitos, enquanto o casal apontado como chefe da rede, oriundo da zona de Torre de Moncorvo, foi detido na passada semana em Portugal e está preso preventivamente. Todos serão julgados no nosso país. Seis dos detidos em Espanha já foram mesmo entregues às autoridades portuguesas. Em buscas efectuadas em Alava e Saragoça, as autoridades espanholas apreenderam ainda três armas de fogo.
Vítimas aterrorizadas
Desde 2004 que o grupo se dedicava a este esquema, caracterizado pela sua grande violência e desprezo pela dignidade humana.
Numa grande operação, em 2005, 22 pessoas foram detidas num esquema semelhante. Todas foram libertadas. Muitas delas foram agora de novo detidas.
Uma estimativa avançada ontem pelas autoridades espanholas aponta para que cerca de três mil portugueses tenham passado pelas mãos do grupo, 800 dos quais apenas na zona de La Rioja.
O recrutamento era sempre feito da mesma forma. A pessoas particularmente fragilizadas - toxico dependentes, alcoólicos, sem-abrigo, analfabetos e até deficientes -, recrutadas sobretudo no Norte de Portugal, eram prometidos 700 euros de salário mensal. Só que, mal chegavam a Espanha, eram fechadas em barracas sem quaisquer condições e obrigadas a entregar todos os documentos bancários, com os quais a rede passava a controlar todos os movimentos.
O dinheiro era depositado nas contas, mas os seus titulares nunca chegavam a vê-lo. Desaparecia, por conta da pouca comida, alojamento, bebida, drogas e prostitutas.
O trabalho era de sol a sol e até à exaustão. Ao fim de uns anos, quando os escravos deixavam de render, eram metidos em carros e abandonados em Portugal. Um homem que desaparecera em 1998 foi encontrado oito anos depois, em Bragança. Lembrava-se apenas do seu nome. De tudo o que passara às mãos da rede só se recordou mais tarde. Há relatos de mulheres que eram obrigadas a manter relações sexuais com os seus sequestradores. As queixas que deram origem às primeiras investigações foram feitas pelas famílias de pessoas desaparecidas.
Muito organizados
No nosso país, os detidos serão julgados pela prática de crimes de rapto, escravidão, sequestro, burla para obtenção de trabalho, associação criminosa, branqueamento de capitais e ameaças.
As autoridades dos dois países acreditas que esta rede tenha chegado a integrar cerca de uma centena de pessoas de vários clãs familiares, que obedeciam a uma organização perfeitamente estruturada com um núcleo de chefia que se subdividia e unidades mais pequenas, cada uma com missões específicas.
O procurador Almeida Pereira disse ontem, em Espanha, que a forma como esta operação foi desenvolvida criou bases para o desenvolvimento de futuras acções conjuntas noutras vertentes da criminalidade organizada.
Publicado: Quarta, 30 Abril, 2008
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