Irá ser lançado no final deste mês, em Lisboa, o programa nacional do Ano Europeu do Diálogo Intercultural. A necessidade de uma sã convivência entre povos e culturas é cada vez mais um imperativo deste mundo que se tem tornado, muito por culpa do progresso tecnológico e do transporte, cada vez mais pequeno.
As fronteiras físicas tendem a esbater-se. No outro dia tive uma experiência deliciosa, ao só me aperceber de que já me encontrava em território espanhol, quando comecei a ler alguns placardes comerciais afixados na rua. O posto fronteiriço que delimita os dois países estava vazio e isto é um exemplo, não obstante ser simbólico, da mais valia da própria construção da União Europeia, enquanto espaço de liberdade e de livre circulação de pessoas. Estar ligado a mais do que uma realidade, como é o meu caso, fornece-nos ferramentas interessantes para relativizar as coisas e valorizar algumas conquistas. O leitor que experimente pôr-se na pele de, por exemplo, um africano para entrar num dos aeroportos europeus, incluindo Portugal. Uma experiência, quase sempre, dramática.
Hoje os movimentos migratórios são mais intensos e visíveis. Em cada 10 pessoas, actualmente, 2 são migrantes. No entanto, o fenómeno não é novo e desde os primórdios do mundo que as pessoas têm a necessidade de procurarem novas oportunidades de vida. Os portugueses, e os açorianos em particular, sabem o que o significado disso tudo.
No passado recente, a lógica de integração dos imigrantes assentava muito na assimilação e na aculturação, na convicção de que as pessoas que chegavam teriam forçosamente de despir-se da sua identidade cultural e vestir na totalidade a cultura da região onde se encontram radicadas. Estas perspectivas não funcionaram e, hoje, são muitos os países que estão a pagar por esse erro.
A ideia central é criarmos condições para o estabelecimento de pontes entre pessoas e culturas e (re)construirmos um novo nós, assente na diversidade e recusando a ideia de que uns podem ser mais iguais do que outros.
Tenho um amigo, um excelente garfo, que faz convergir todas as suas opiniões do mundo para a gastronomia e, claro, que muitas vezes a sua teorização fica sem sentido. De qualquer modo, ele costuma dizer que esta história da diversidade cultural é como uma boa feijoada. Por outras palavras, a feijoada, o arroz, a carne, isoladamente, não teriam tanta piada gastronómica, mas que ao juntarmos tudo, onde cada um chega com o seu sabor e especificidade, teremos um fantástico resultado final, a não ser que o cozinheiro seja muito mau.
Apesar de a teoria fazer algum sentido, nos homens as coisas são mais complicadas, pois somos racionais, reagimos ao que é diferente, temos tendência a superiorizar o que é nosso, desvalorizando e ridicularizando o outro. A História diz-nos, também, que a Europa, por exemplo, teve no seu seio momentos de grande violência por causa de desencontros culturais. As diferenças religiosas também foram no passado motivo de guerras e, nos dias que correm, continuam a ser base, em muitas regiões do mundo, para a emergência de conflitos.
Actualmente, as outras referências culturais para além de estarem relativamente longe são projectadas, ao mesmo tempo, pelos meios de comunicação e das novas tecnologias; mas podem estar na nossa rua ou na nossa cidade.
Partindo do pressuposto de que todos enriquecemos com a diversidade, é que faz todo o sentido celebrar e vivenciar com todo o entusiasmo o ano europeu do diálogo intercultural. Mas, também, é algo que exige de nós ponderação, espírito aberto e, sobretudo, disponibilidade para perceber o outro.
A proclamação do ano europeu tem a sua importância, mas será inconsequente se não for apropriada e vivida por nós, pessoas individualmente ou como escreveu Pessoa: “ Sê plural como o universo”
Publicado: Sábado, 19 Janeiro, 2008
Retroceder