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Minoria muçulmana funda comunidade na Ilha de São Miguel

Já se 'encontraram'. Procuram agora um espaço para orar em conjunto e socializar Discretos e humildes, passam quase despercebidos na multidão. No arquipélago açoriano, maioritariamente católico, são uma minoria. A ilha de São Miguel acolhe hoje cerca de 50 muçulmanos, de várias nacionalidades — especialmente guineenses — que estão a envidar esforços para fundar a sua própria comunidade. Procuram agora um espaço, onde se possam reunir pelo menos uma vez por semana, e orar colectivamente. Se essa for a "vontade divina", alcançarão os seus (modestos) intentos. Juntaram-se no final do Ramadão, numa sala providenciada por um deles, para comemorar aquela época festiva, orando. Estiveram um mês sem comer, beber ou ter relações sexuais desde o nascer até ao pôr do Sol. Um ritual de purificação necessário — que une todos os muçulmanos praticantes do mundo — e um dos cinco pilares do Islão. "Na Antiguidade faziam-se jejuns seguidos, o Profeta é que proibiu essa prática por não ser salutar", adiantou Aboobakar Choonara, moçambicano com ascendência indiana, há 24 anos na região. Quando o AO chegou ao local, uma pilha de sapatos acumulava-se num canto da sala, espartana, enquanto 30 pessoas, sobretudo homens, iniciavam a oração (viradas para Meca). "É por uma questão de higiene", referiu Amadou Sane, guineense, casado com uma portuguesa que entretanto também se converteu à religião e participava no evento, sentada atrás com a filha do casal. Dois 'sheiks' (líderes espirituais) — Mohamed Bah (Serra Leoa) e Queta Candé (Guiné) — vestidos a rigor, estavam de frente para o grupo, começando por agradecer a Allah (Deus), única divindade aceite pelo Islão. De cada vez que se exaltava Maomé, um coro de vozes respondia "Paz esteja com Ele", louvor aplicado a todos os enviados divinos (como Ismael, Isaac e Jesus), antecessores do último Profeta. Mohamed Bah, antigo aluno em escolas católicas e conhecedor da Bíblia, esclareceu que a grande clivagem entre ambas as religiões consiste no facto do Islamismo aceitar Maomé como Profeta, ao contrário dos cristãos que "não o reconhecem por descender de uma linhagem árabe". Bah, modesto e reservado, enalteceu as virtudes do último enviado, que "sacrificou tudo pela causa do Islão" e mostrou aos Homens o "Caminho Certo". Quando nasceu, “cerca de 100 mulheres, a dar à luz naquele instante, faleceram de tristeza por não serem as portadoras do anunciado”, acrescentou Queta Candé, com um brilho de comoção nos olhos. Bah acena com a cabeça e sorri. A atitude dos colegas, enquanto falava, orgulhosamente, da filosofia islâmica (em inglês pois ainda não se adaptou à língua portuguesa), era de um interesse quase reverencial. Não usa as palavras em vão. Quando discursa encanta porque o que diz é sincero, convicto e isento de maldade. Talvez por isso seja tão respeitado na comunidade recentemente formada. Nenhum deles deseja convencer outros a aderir ao Islamismo. "Não podemos impor nada a ninguém", salientou Choonara, sugerindo, contudo, que estariam de braços abertos para acolher novos membros. Além disso, para ser muçulmano, não é necessário ser praticante. "Nós existimos única e exclusivamente para adorar a Deus, o próprio acto de trabalhar já é uma forma de lhe prestarmos vassalagem". Durante a conversa, Hermenegildo Raúl, de Angola, não se pronuncia mas aproxima-se de Bah e quase se encosta ao seu braço. A relação entre pessoas do sexo masculino na cultura oriental é completamente diferente. Não há receio de mostrar os afectos e de partilhar um carinho. Os homens, quando são muito amigos chegam a dar as mãos. Na rua cumprimentam-se com um "A paz de Allah esteja contigo". Não são sinais de fraqueza mas de "irmandade". O espírito de tolerância e de justiça está muito presente na conduta dos muçulmanos. Lamentam que essa não seja a ideia que o Ocidente tem deles. Não apenas porque "pagam" pelos maus exemplos de alguns grupos radicais, como também pela forma como se pensa que tratam as mulheres. "O conceito de família é muito importante para nós", referiu Sane. Choonara acrescentou que, antigamente, as meninas recém-nascidas eram mortas porque se considerava uma "vergonha" ter filhas. O Profeta "acabou com isso", pelo que não tinha lógica maltratá-las hoje. Além disso, "Allah vigia-nos a todos e, após a morte física, pede-nos contas das nossas acções. Se praticarmos assiduamente o Mal, seremos punidos", disse Bah, sugerindo uma versão semelhante dos conceitos de Céu e Inferno cristãos. Ainda têm esperança de vir a ter uma mesquita na ilha. Não é essencial, porque "as orações até podem ser feitas num passeio", diz Choonara. Mas crê que com fé em Deus tudo pode acontecer. Se estiver escrito, é inevitável. Fonte: Açoriano Oriental/Lina Manso

Publicado: Segunda, 22 Novembro, 2004

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