As migrações constituíam até o último quartel do século XX uma questão relativamente marginal nas agendas dos governos dos países ricos. Eram vistas, no contexto dos Estados economicamente atrasados, sobretudo na perspectiva dos mercados de trabalho dos emissores e dos receptores e também, graças aos efeitos equilibrantes das remessas, na óptica das transferências de capital e das balanças de pagamentos.
Hoje, porém, tornaram-se um problema político de primeira importância nos países mais avançados, central nos programas de acção dos executivos e nas campanhas eleitorais.
As notícias sobre as aventuras quantas vezes trágicas dos que, vindo do Norte de África, procuram chegar às Canárias, ou dos que tentam atravessar o Adriático e atingir as costas italianas, ocupam continuamente as páginas dos jornais diários.
As políticas de imigração passaram a ser transversais, impondo a sua consideração tanto nas áreas da educação, da Segurança Social ou da habitação como no campo da integração cultural, da cidadania ou dos direitos das minorias.
Portugal era um país tradicionalmente de emigração.
O crescimento económico inverteu a situação e tornámo-nos, como os restantes Estados da Europa ocidental, um país de acolhimento, com um saldo largamente positivo dos fluxos de entrada.
Esta alteração radical empresta ainda maior novidade à problemática resultante da recepção de numerosos trabalhadores estrangeiros e suas famílias.
O relevo macroeconómico da imigração no seio da União Europeia e as preocupações culturais, e em particular securitárias, que a integração das comunidades islâmicas têm suscitado pelas oportunidades que proporcionam aos fundamentalismos, impõem a sua consideração como uma das primeiras preocupações da presidência portuguesa no segundo semestre de 2007.
As nossas especificidades aconselham, porém, a que não se confunda inteiramente a definição da política comunitária quanto aos imigrantes com as nossas prioridades na matéria.
Sem pretender ser exaustivo, parece-me importante sublinhar dois pontos especialmente merecedores de tratamento autónomo: a conexão que deverá ser estabelecida entre as opções no domínio migratório e a nossa quase inexistência política demográfica; a compatibilização entre o que se pretende em matéria de imigração e o que se deseja fazer quanto à plurinacionalidade no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Quanto ao primeiro, a imigração permite atenuar o importante défice demográfico que se vem acentuando desde há alguns anos.
Possibilita também, pela escolha selectiva dos admitidos a trabalhar em Portugal, particularmente no que concerne aos oriundos do Leste europeu, contribuir para a correcção de algumas das debilidades da qualificação da nossa mão-de-obra.
O aproveitamento dos médicos que começaram por trabalhar como operários da construção civil constitui um exemplo extremo, mas nesse campo muito há a fazer, sobretudo se operarmos desde logo nos países de origem.
No que concerne aos imigrantes originários dos países da CPLP que procuram uma ocupação em Portugal, sem chegarmos ao irrealismo de criar uma cidadania comum dos povos lusófonos, haverá que dar substância à ideia de que, para além dos aspectos culturais, no próprio domínio jurídico algo de substancial deve diferenciar os que falam português dos cidadãos dos restantes países.
A conciliação entre a cidadania europeia ainda em construção e o estatuto de um cidadão de um país membro da CPLP não se apresenta como tarefa fácil, ainda que o pioneirismo das experiências já realizadas com o Brasil evidencie que muitos progressos podem ser feitos.
Reconhece-se hoje que cada indivíduo pode integrar diversas comunidades políticas com graus diferentes de vinculação e dispostas em diversos níveis, indo desde a mais intensa - a pertença ao povo de um Estado soberano -, a outras de laços mais distantes, tais como as confederações ou as organizações regionais.
Não poderá, todavia, é ignorar-se o problema, sob pena de neste capítulo fundamental a CPLP ser uma mera expressão sem conteúdo político.
Publicado: Segunda, 23 Outubro, 2006
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