A MENOS de dois meses de fazer um ano à frente do Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME), Rui Marques explica como é complicado gerir os problemas resultantes da lei demasiado restritiva que Portugal teve para a imigração. Um cenário agravado pelo facto do orçamento do ACIME ser o mesmo há quatro anos: sete milhões de euros.
Que compromissos destaca como os mais importantes concretizados este ano?
Destaco os relacionados com a Lei da Nacionalidade aprovada, a discussão do projecto de lei no que respeita à Lei da Imigração, bem como a aprovação do acesso às prestações sociais. São os três marcos importantes na dimensão legislativa da política de imigração. No que diz respeito às actividades do Alto Comissariado, sublinharia a consolidação de iniciativas como os Centros Nacionais e Locais de Apoio ao Imigrante, as iniciativas junto das comunidades, a renovação do programa Escolhas por mais três anos e um conjunto de acções no acesso aos serviços, nomeadamente bancários.
Quais são as maiores dificuldades que enfrentam os imigrantes, principalmente dos PALOP?
A burocracia e complexidade do sistema. Os procedimentos são demasiado enrolados e desesperantes. As questões do trabalho e habitação são outras dificuldades. No trabalho porque são muitas vezes vítimas de descriminação e exploração laboral, sobretudo os que estão em situação irregular. No acesso à habitação enfrentam sérias dificuldades no arrendamento, pois fazem-lhes preços escandalosos.
O ACIME tem ajudado a resolver esses problemas?
Já foram dados importantes passos na desburocratização, com o Centro Nacional de Apoio ao Imigrante, através da Linha SOS Imigrante, que tem três línguas diferentes e que está disponível para tirar qualquer tipo de dúvidas e com o gabinete de apoio jurídico, que é uma ferramenta importante. No que respeita ao trabalho, formámos uma equipa que está a acompanhar as questões da inserção laboral, no entanto, a resolução do problema passa por situações de fiscalização e, como tal, não é fácil. Na habitação é mais complicado, mas temos estado a trabalhar com o Instituto Nacional de Habitação, e com instituições que funcionam junto de bairros críticos, de forma a estudarmos a melhor forma de realojamento.
Quais os maiores entraves ao trabalho do ACIME?
São as dificuldades dos imigrantes. Sabemos que temos um país com poucos recursos, por isso exige de nós imaginação. Há quatro anos que temos o mesmo orçamento, que não chega a sete milhões de euros por ano para 500 mil imigrantes.
Como pode Portugal sustentar a entrada de tantos imigrantes, muitos em situação irregular?
Quando falamos que temos muitos imigrantes é relativo, pois estamos abaixo da média europeia. Tivemos uma lei muito restritiva no que respeita a imigração, daí a situação irregular ser uma consequência. Temos de ter consciência que estes imigrantes queriam trabalhar, mas pelas dificuldades que lhes apresentaram tiveram de ficar ilegais.
Portugal lida bem com os problemas dos imigrantes?
Portugal apesar dos seus escassos recursos tem uma situação razoável. Quer em termos legislativos, onde os imigrantes têm os mesmos direitos legais que os portugueses, quer ao nível mais extremo, onde os imigrantes em situação irregular têm acesso à saúde e as crianças à educação. As alterações da Lei da Nacionalidade, que considera agora portugueses os imigrantes de terceira geração que ficou aprovada em consenso, também nos colocou numa situação mais favorável. No entanto, há uma distância grande entre o que é o quadro legislativo e a resposta dos próprios serviços, muitas vezes estes desconhecem a Lei e os imigrantes também. Portugal não falha pelas respostas legislativas no que respeita à imigração mas sim, na sua execução.
O que podem fazer os imigrantes a quem estão a ser recusados os serviços?
Podem queixar-se ao ACIME, aos serviços de Inspecção-geral de Saúde e podem ligar para a linha SOS Imigrante. Aqui temos apoio jurídico, informamos sobre o acesso ao emprego e sobre o reenquadramento familiar. Ao nível da Internet, o nosso sítio pode ser útil e na RTP2, com o programa «Nós», sensibilizamos e informamos a sociedade e os imigrantes sobre os seus direitos e deveres.
Acha que os portugueses discriminam os imigrantes?
Os portugueses não são diferentes dos povos estrangeiros. Temos evidências de atitudes xenófobas subtis, temos uma tendência a acreditar que o outro é que é culpado por não ser português. O caso do arrastão revela essa predisposição. No entanto, até agora temos conseguido manter níveis de tolerância bastante razoáveis.
Quais as apostas mais recentes do ACIME?
Acabámos de lançar, a título experimental, um serviço de tradução telefónica entre um imigrante e um serviço público. As dificuldades que existem quando um imigrante se dirige a um serviço podem ser agora minimizadas. Outro projecto é o Metropolis Internacional de 2 a 6 de Outubro em Portugal, que é um dos maiores congressos sobre migrações.
Publicado: Sexta, 21 Julho, 2006
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