Odesafio de Cavaco Silva no sentido de se repensar a política de imigração, de modo a que esta contribua para combater o envelhecimento da população e a desertificação de algumas regiões, foi bem recebido pelo Governo, pelo PSD e CDS e por economistas e empresários ouvidos pelo DN.
"Talvez Portugal tenha que fazer uma análise da política de imigração que lhe interessa. E que talvez possa contribuir - é algo que deve ser estudado - para inverter este ciclo de envelhecimento e de desertificação", disse o Presidente da República (PR) ao DN, no final dos dois dias do Roteiro para a Inclusão, que o levaram ao interior esquecido do País.
Cavaco nunca tinha sido tão claro sobre imigração. Numa das raras vezes que abordou o tema, no debate da pré-campanha com Francisco Louçã, deu mesmo a entender que seria favorável a um controlo mais apertado da entrada de imigrantes, ao alertar para o risco de que "a certo momento os portugueses, aqueles que aqui nasceram, poderiam estar em minoria" face aos estrangeiros.
Agora estava no terreno ideal para explicitar a sua posição. Entre o Algarve, o Alentejo e a Beira Interior, Cavaco foi ouvindo autarcas que testemunharam bons exemplos de integração de imigrantes, como em Vila de Rei e Odemira (ver texto em baixo). Com esses dados na mão apelou à reflexão sobre o papel da imigração na resposta a alguns dos problemas que constatou no País profundo.
Cavaco é fixe
As declarações de Cavaco aconteceram no dia em que o Governo apresentou o anteprojecto da lei da imigração. A intervenção do Chefe do Estado foi muito bem recebida pelo Executivo, conforme o DN apurou junto de fonte da Administração Interna. Ao contrário do que se passou com a Lei de Bases da Segurança Social, neste caso não houve contactos prévios com o PR, mas as fontes governamentais ouvidas pelo DN notam que Belém e São Bento coincidem na análise da importância dos imigrantes para combater a desertificação do Interior e providenciar mão-de-obra de que o País precisa.
A concordância entre os socialistas e o PR eleito pelo centro-direita só surpreende quem não conheça Cavaco. "Ele sempre nos habituou a ser bastante objectivo e claro nas suas posições, sem dogmas ou preconceitos ideológicos", nota João César das Neves. O professor universitário e antigo conselheiro económico de Cavaco concorda com o Presidente e vai mais longe: "Tem que se deixar funcionar o mercado. Temos falta de mão-de-obra em muitas áreas, umas mais qualificadas, outras menos, e o importante é acolher essas populações e dar-lhes condições para que o sistema funcione." Também Miguel Beleza, ex-ministro das Finanças de Cavaco, alinha com as posições do antigo primeiro-ministro e não se surpreende com elas: "É o social-democrata a falar. Estas são preocupações que ele sempre teve." Filipe Botton, promotor do Compromisso Portugal e um dos empresários que apoiaram Cavaco, considera que a declaração do PR é "a atitude racional, objectiva e construtiva para o País", alheia a querelas ideológicas. "A inclusão não é um tema de esquerda nem de direita."
Também o PSD e o CDS/PP aplaudem a posição do Chefe do Estado. O social-democrata Feliciano Barreiras Duarte, que foi um dos governantes responsáveis pela lei da imigração ainda em vigor, sublinha o "sinal de que o Presidente está atento às matérias da imigração e que não considera a imigração como um problema, mas como uma oportunidade". Nuno Magalhães, do CDS/PP, que também interveio na elaboração da actual lei, vê nas palavras de Cavaco "a política que o CDS/PP sempre defendeu: uma política rigorosa na entrada e humanista na integração". Mas que se veja a imigração como resposta ao envelhecimento da população: "O enfoque deve ser outro em políticas que incentivem as famílias portuguesas a ter os filhos que querem ter e não apenas os que podem ter." * Com Ana Sá Lopes e Céu Neves
Fonte: DN
Publicado: Quinta, 01 Junho, 2006
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