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Imigrantes: quando Portugal é novamente a opção

Texto: SOL | Foto: Direitos Reservados 

À terceira é de vez, lá diz a sabedoria popular. Andreia Gonçalves, natural do estado brasileiro do Paraná, tem 39 anos e em agosto aterrou pela terceira vez no aeroporto da Portela. “Desta vez é para ficar”, disse ao SOL. Adair Nascimento nasceu a mais de 1.600 km de Andreia, no estado de Minas Gerais. Mas, tal como ela, não é estreante a atravessar o Atlântico em busca de uma vida melhor. “Vim pela primeira em 2004, voltei ao Brasil em 2013”. Bastou-lhe um ano e dois meses para retornar a Lisboa, em setembro do ano passado. 

Estes dois cidadãos brasileiros são parte integrante de um grupo de imigrantes que ‘fugiu’ de Portugal quando a crise lhes levou o emprego. Escolheram regressar ao seu país em busca da promessa de um Brasil diferente. Desapontados, estão agora de volta, considerando que, apesar das condicionantes, Portugal continua a ser um sítio melhor para viver.

2011, o ano do êxodo

Andreia e Adair são ‘reincidentes’, mas Rita Alho, da Casa do Brasil de Lisboa (CBL), acredita que o número de imigrantes brasileiros que se mudam pela primeira vez para Portugal irá aumentar este ano, depois de cinco anos consecutivos em declínio. Em 2010, residiam em Portugal 119 mil brasileiros. No final de 2014. esse número caiu para 87 mil. “Não só estão a voltar imigrantes brasileiros que já tinham vivido em Portugal como temos recebido por dia cerca de 12 pessoas que aqui chegam pela primeira vez”. Só entre janeiro e setembro deste ano, o gabinete de inserção profissional da CBL já ajudou 190 novos utentes a arranjar trabalho. Em 2013, o total do ano tinha contabilizado apenas mais três novos casos, fixando-se nos 193. “Já não sentíamos isto desde 2010”, diz Rita.

De acordo com esta funcionária que trabalha na CBL desde 2001, o pico de retorno para o Brasil foi em 2011. “Penso que se deveu não só à crise em Portugal, como a uma expectativa que se gerou em volta da Copa do Mundo de 2014”.

Mas o progresso económico trazido pela organização do Mundial de futebol, não passou, para muitos, de especulação.

Andreia é bacharel em Direito mas nunca exerceu. Queria ser juíza e chegou a entrar na Escola da Magistratura do Brasil, onde não pôde continuar devido à situação financeira da família. Mudou-se pela primeira vez para Portugal em 1999, ficando um ano e meio. Regressou em 2006 para mais uma estadia semelhante. Este ano, tinha trabalho no Brasil, antes de resolver voltar a Portugal: “Geria a clínica de estética dos meus pais”.

Apesar do negócio ainda não ter fechado, Andreia diz que a “situação está cada vez mais difícil para os comerciantes desde o meio do ano passado”. “A Copa do Mundo foi uma desgraça porque as pessoas não trabalhavam, nem procuravam serviços. Já estava a começar a acontecer, mas o declínio do Brasil começou na copa”.

Mesmo sendo filha dos proprietários, assume que o salário era insuficiente para fazer face às despesas. Cria um filho sozinha, “e, no Brasil, a educação é caríssima”. Mesmo considerando que os salários em Portugal são baixos, não vê nisso um impedimento para ter uma vida melhor. “Aqui, sabendo viver, vive-se bem mesmo ganhado pouco”.

Se tivesse de elaborar uma lista sobre as razões que a trouxeram, garante que não teria dúvida sobre os itens a colocar - a corrupção seria um deles, assim como os acessos à saúde e educação. No entanto, em primeiro lugar, Andreia nem hesita: a segurança.

‘Lá matam por pouca coisa’

Adair, trabalhador da construção civil, partilha a mesma opinião. Voltou com a mulher e as duas filhas - que preferem ir à escola em Portugal - depois de ter tentado viver, entre 2013 e 2014, novamente no Brasil.

“Tinha ficado sem emprego em Portugal e resolvemos voltar a Valadares [Estado de Minas Gerais] onde nasci”. Mas a experiência foi sol de pouca dura. Não conseguiram adaptar-se e Adair aponta a insegurança como o motivo principal: “Acho que a violência no Brasil está pior, eles matam por pouca coisa”.

Já conseguiu arranjar emprego novamente em Portugal e considera que a vida cá é mais fácil de levar. “Aqui, com 200 euros faço as compras de supermercado para o mês. No Brasil, 200 reais talvez cheguem para uma semana”.

Andreia e Adair não pensam, num futuro próximo, retornar ao seu país. Ela está a passar por um processo de obtenção de cidadania, dado que o bisavô era português, ele espera pelo término do processo de legalização, que estará prestes a acontecer.

 

Tal como eles, muitos são os que, do outro lado, resolvem tentar novamente a sua sorte ou vir à descoberta. Rita diz que Portugal continua a ser um país apetecível, não só pela língua mas por estar na Europa. Os números do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) relativos à imigração só serão libertados no final do ano, mas a responsável da CBL acredita, pela quantidade de atendimentos que tem feito, que está a chegar uma nova vaga de imigrantes. “Principalmente casais jovens, praticamente todos com licenciatura que procuram melhores condições de vida, pois estão desiludidos com a situação política e social do Brasil”. Adianta que alguns trazem já na mala projetos de negócio. “É sempre motivante virem pessoas com outras ideias, e os brasileiros são caracteristicamente empreendedores”. Mas duvida se haverá emprego para todos, especialmente com a chegada do inverno e o abrandamento do turismo. Se o desencanto vier, há sempre a outra margem do Atlântico.

Publicado: Quinta, 22 Outubro, 2015

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