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Vidas Descartáveis

Portugal e em particular a nossa Região estão a ser confrontados com a deportação de um número razoável de emigrantes. Ninguém sabe ainda a dimensão deste acto que está a ser concretizado pelo governo do Canadá, acto este absolutamente criticável em todos sentidos. A primeira nota que eu queria deixar é a ideia, passada sucessivamente pela comunicação e posteriormente absorvida e ampliada pelas pessoas, de que um indivíduo que se encontra sem nenhum suporte jurídico num outro país é “ilegal”, assemelhando-se a alguém que tenha cometido um crime. O crime que cometeu é ir procurar noutras paragens uma vida melhor. Por isso, prefiro o termo “indocumentado” em detrimento do ilegal, sendo que em causa não está qualquer questão de eufemismo mas sim a diferença de conotação que os dois termos têm. Perante esta aparente inevitabilidade de deportação de um número razoável de cidadãos portugueses impõe-se questionar sobre a legitimidade deste tipo de decisão. Tanto quanto pude perceber, prende-se com um conjunto de cidadãos que entraram no Canadá com visto de turista (que lhes permite estar durante um curto espaço de tempo), que ingressaram no mercado sem estarem habilitados para tal mas que no entanto deram início ao processo de legalização alegando perseguição política em Portugal. A comprovar esta justificação (completamente ridícula) torna-se cada vez mais importante o trabalho do Governo Português e das respectivas associações junto dos emigrantes portugueses, no sentido de potenciar a circulação de informações correctas e, sobretudo, de acompanhar o processo de legalização. Não tenhamos dúvidas de que quando uma pessoa está indocumentada aparecem muitos “legalizadores” oportunistas (muitas vezes compatriotas), fazendo acreditar às pessoas que agindo desta ou daquela forma irão conseguir a permissão de residência. Um outro dado é que os cidadãos que não obstante estarem “indocumentados” e não deram início ao processo de regularização no Canadá dificilmente serão deportados porque legalmente não existem. Isto para dizer que não acredito no número de deportações que é lançado pela Comunicação Social, pois raramente um país tem a noção de quantas pessoas indocumentadas tem. Para mim, as deportações nunca são legítimas. Um país que usa a força de trabalho de um Homem e de seguida, por causa de uma lei qualquer, entende que deverá enviá-lo num prazo de quinze dias de volta para o seu país de origem é horrendo. Devíamos todos ter vergonha de que isto esteja acontecer nos dias que correm. Eu sei que ter vergonha nada vai resolver, mas mesmo assim tenho-a em relação a este tipo de situação. Vergonha de um país, qualquer que seja, que entende que as pessoas são absolutamente descartáveis. As pessoas têm o direito de viver onde lhes apetece, é tão simples quanto isso. Somos de todo o lado e de lado nenhum. Ainda esta semana o primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi, por causa de uma ligeira desvantagem nas intenções de voto, afirmou que está com receio que a Itália se torne num país multiétnico e multicultural, encobrindo um medo à imigração. No entanto nos Estados Unidos, onde existem muitos italianos indocumentados, o governo norte-americano anunciou uma nova lei que irá beneficiar um conjunto de pessoas indocumentadas, prevendo que cerca de seis mil portugueses serão abrangidos por essa nova lei. A imigração deve ser entendida como uma oportunidade e esperança para todos e nunca vista como sinónimo de miséria e marginalidade. Também é um fenómeno estrutural das nossas sociedades e sempre foi assim.

Publicado: Quinta, 30 Março, 2006

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