Segundo uma notícia publicada hoje no Diário de Notícias, "Os pais africanos entregam a educação dos filhos aos professores e sentem-se insatisfeitos por estes não lhes ensinarem as regras básicas. Os pais da Europa de Leste confiam na escola para transmitir conhecimento e pedem mais exigência. Mas para agradar a uns e a outros, a organização do ensino português teria que mudar, defendem os autores de um estudo sobre as famílias imigrantes e a escola.
As escolas portuguesas são cada vez mais multiculturais, mas mantêm os mesmos conteúdos programáticos. Uma realidade que é ilustrada no livro "Cooperação Família-Escola, Estudo de situações de famílias imigrantes na sua relação com a escola", editado pelo Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME) e que será apresentado hoje numa das escolas estudadas, a Pedro d'Orey da Cunha, na Damaia (Amadora), pelo ex-ministro da Educação Marçal Grilo. Trata-se de um trabalho "exploratório" e que inicia a nova colecção do ACI- ME "Estudos e práticas".
Os autores entrevistaram pais, professores e responsáveis de três escolas, escolhidas por terem grande diversidade cultural e boas práticas de integração dos alunos e suas famílias: a Escola Básica do 1.º Ciclo n.º1 (Lisboa), a Pedro d'Orey da Cunha e a Escola Básica EB2,3 de Castanheiros (Caneças).
Aqui, os encarregados de educação acompanham os estudos dos filhos, com algumas excepções e que se devem "à situação laboral", "às condições de habitação" e "à adaptação as regras sociais".
O estudo identifica dois grupos de imigrantes - os oriundos de países africanos e da Europa de Leste. "Os pais de origem africana, particularmente cabo-verdiana, tendem a encarar a escola como lugar de educação, relativizando o papel da família na transmissão de regras básicas, e sentem-se insatisfeitos porque a escola não responde integralmente", refere o estudo. Estes progenitores têm menor grau de escolaridade que os de Leste e são também menos críticos.
"Os oriundos da Europa de Leste têm expectativas muito elevadas em relação à aprendizagem académica, aos conteúdos programáticos e às exigências de trabalho que a escola promove." Têm um maior grau de escolaridade que os outros imigrantes e admiram-se com a relação de proximidade aluno-professor. Dizem que estudaram com uma maior disciplina, exigência e ritmo de trabalho.
Mudanças
Os professores salientam que as diferentes expectativas, ritmos e culturas criam algumas dificuldades na aprendizagem, "que podem ser ultrapassadas com a ajuda de um corpo docente mais estável e com preparação mais adequada".
Os autores do estudo concordam, mas vão mais longe. Propõem uma maior flexibilidade do ensino, nomeadamente a diluição da carga burocrática educativa e a adaptação dos horários e currículos escolares às necessidades dos alunos.
"Não é assim tão difícil garantir uma maior estabilidade dos professores e fazer horários diferenciados. Há outras coisas previstas na legislação, como a valorização do conhecimento das famílias e a realização de parcerias com a comunidade. Só precisam de ser dinamizadas", argumenta D. Tomaz Silva Nunes, bispo auxiliar de Lisboa e coordenador do estudo.
Uma grande paleta de nacionalidades no ensino português
No ano lectivo 2003/2004 estavam inscritos no ensino português 81 470 alunos de nacionalidades e etnias diferentes da portuguesa, segundo dados do Ministério da Educação. Os angolanos, cabo-verdianos, ciganos e brasileiros são os mais representativos, mas nos últimos anos há mais ucranianos, moldavos, romenos, chineses e paquistaneses a entrar no sistema educativo.
Um exemplo dessa diversidade é a Escola Básica n.º 1, a primária mais antiga de Lisboa e que se situa na freguesia da Pena. A população residente divide-se entre idosos e imigrantes, existindo bolsas de pobreza. É uma zona de serviços e comércio, sendo este desenvolvido por indianos e chineses. No ano lectivo de 2004/2005 estavam inscritos 148 alunos, 8,7% estavam institucionalizados e 33,1% dos quais oriundos das seguintes nacionalidades: Angola, Bangladesh, Brasil, China, Guiné, Índia, Moldávia, Nepal, Paquistão, República Checa e Ucrânia."
Céu Neves
Diário de Notícias
Publicado: Segunda, 27 Março, 2006
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