Todas as segundas, quartas e quintas, há encontro marcado para novos conhecimentos
Noite fria e invernosa. Quando todos se recolhem no aconchego do lar, ao fim de mais um dia exaustivo de trabalho, mais de uma dezena de imigrantes sobem as escadas do Centro de Formação para as Iniciativas de Economia Solidária, para um encontro marcado com a língua portuguesa e cultura açoriana. Um ritual que se repete todas as segundas, quartas e quintas, em Ponta Delgada.
Um espaço acolhedor, um dicionário e uma jovem professora aguardam os imigrantes de braços abertos para duas horas embebidas de novas palavras, sintaxes, verbos e adjectivos. Todo um novo mundo que a língua portuguesa tem para ensinar. Um mundo sem lugar para nacionalidades, idades ou sexo. Acima de tudo está toda uma panóplia de novos conhecimentos. A sede é visível nos olhos de cada um dos formandos que frequentam as aulas de Elizabete.
Os jovens moldavos, Natalia e Grigory começaram a aprender a falar e a escrever português, a partir do zero, há seis meses. Pelas mãos, levam os seus dois filhos pequenos para quem a língua já não é um mistério. Falar é fácil, o pior é a gramática, confessa o casal.
Embora se tenham fixado em São Miguel há três anos, entenderam melhorar o seu desempenho e matricularam-se nas aulas de Elizabete Fevereiro sem hesitar. E não se arrependem. Nem mesmo no final das mais cansativas jornadas de trabalho, Natalia e Grigory se deixam abater e arranjam energias para mais algumas horas de trabalho. Um trabalho diferente, onde encontram também um passatempo útil para resolver pequenas questões do dia a dia.
O mesmo sucede com o casal de romenos Valentim e Sofia. Juntamente com o filho Adrian, de 17 anos de idade, de pasta e livro debaixo do braço, começam uma vida nova, com novos sons e palavras. Uma vida muito diferente da que estavam habituados. Melhor. Dizem Valentim e Sofia. Já Adrian sonha regressar à terra Natal onde deixou amigos.
Mas não é só nas aulas da professora Elizabete que lá vão saltitando de letra em letra, de sílaba em sílaba. Aprendemos muito com a televisão, conta Sofia, uma cozinheira profissional que se viu obrigada a reaprender a confeccionar novos pratos, reconhecer, identificar e utilizar novos ingredientes. Ingredientes de que nunca ouvira falar até ao dia em que veio parar a São Miguel, dois anos depois do marido encontrar poiso e estabilidade para trazer o resto da família. Aos seus patrões, o senhor Melo e a dona Lúcia, diz dever muito. Deve sobretudo a forma com foi recebida e orientada, frisa com carinho na voz.
Do outro lado da sala, a sua cunhada, Florica Cornea, abre o caderno ao lado dos seus três filhos adolescentes. Uma mãe de 36 anos de idade que há quatro anos veio visitar o marido e acabou por ficar. Para trás, deixou as suas crias. O que mais me custou, foi ter os meus filhos longe. Mas não tinha dinheiro. Só mais tarde, a pouco e pouco, à medida que fui conseguindo juntar uns trocos, consegui trazê-los junto de mim. Nos Açores, sente-se bem tratada. Aqui a vida é melhor!
Marius, Dorina e Daniela, de 14, 16 e 17 anos de idade respectivamente, depressa se prontificam a fazer os exercícios pedidos pela professora e os trabalhos de casa. Participativos e curiosos, atiram-se ao português com todo o entusiasmo e sempre com a resposta na ponta da língua. Num ápice fazem passar duas horas de aulas.
Sozinha, a venezuelana Fernanda também aprende a língua vizinha. Filha de pais do concelho da Povoação, nasceu no outro lado do oceâno há 41 anos. Há quatro veio de ferias e resolveu regressar para sempre. Mas a adaptação à terra que viu nascer os pais não foi tarefa fácil. Sabe ler e compreende na perfeição a língua, contudo, continua a faltar-lhe a oralidade. E a gramática é um verdadeiro pesadelo.
Habituada ao clima ameno da Venezuela, custou-lhe acostumar-se ao frio, à humidade e à chuva dos ilhéus. Mesmo assim, hoje, em São Miguel, sente-se uma mulher feliz.
E se para o pequeno grupo de imigrantes as aulas têm vindo a revelar-se uma vivência única, para a professora Elizabete Fevereiro, também tem sido uma experiência única e compensadora.
Sofia, Valentim, Adrian, Fernanda, Marius, Daniela, Dorina, Florica, Natalia e Grigory, fazem hoje parte do seu coração. São uma dezena de imigrantes de entre oito mil que escolheram os Açores como segunda pátria. Sejam da Moldávia, da Roménia, da Venezuela, da Ucrânia, abraçaram a língua portuguesa com toda a garra, adoptando a cultura açoriana nos seus hábitos. Sentem-se açorianos.
Fonte: Açoriano Oriental
por rita vasconcelos rebelo
Publicado: Segunda, 06 Fevereiro, 2006
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