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Activistas do SOS Racismo "não deixam ninguém dormir"

Fizeram piquetes pelos ciganos desalojados das barracas do Bacelo, fronteira do Porto com Gondomar. Fincaram pé em frente ao Centro Habitacional de Santo António, Porto central, pelos africanos indocumentados interceptados na ilha da Culatra, ao largo de Olhão. Celebraram as condenações de Mário Machado, líder do movimento Hammerskin. E hoje festejam 20 anos no Clube Ferroviário, em Lisboa. A câmara tem a prenda há tanto desejada: uma sede.

Quando o SOS Racismo apareceu, Portugal era outro país. A morte de José Carvalho, dirigente do PSR, revelava a força irada dos skinheads, que escreviam o que lhes apetecia em qualquer parede: "Morte aos pretos", "Portugal aos portugueses", "Primazia de emprego e de casa para os brancos". A extrema-direita organizara-se. No segundo boletim de 1990 da Associação Cultural de Acção Nacional podia ler-se: "Exigimos a proibição imediata da imigração, o repatriamento progressivo mas total dos imigrantes". A extrema-esquerda reagiu, recorda o jornalista do PÚBLICO Amílcar Correia, que acompanhou os primeiros anos da associação. No dia 10 de Dezembro de 1990, Dia dos Direitos Humanos, José Falcão, Filomena Aivado e Rosana Albuquerque registaram o SOS Racismo. "Portugal era o país dos brandos costumes. Dizia-se que não havia racismo, mas os skinheads matavam", lembra José Falcão. E, nas ruas, nos prédios, não era raro alguém dizer coisas como: "O trabalho é para o preto", "as pretas são boas para curtir, não para casar", "estás a fazer ciganices". Era preciso produzir materiais, chatear jornalistas, ir às escolas sensibilizar professores e alunos. O consultor João Tocha viveu o fervor desses primeiros anos. Foi ali que conheceu o músico João Aguardela e outros rapazes cheios de vontade de mudar o mundo - gente do PSR e do PCP, independentes. Já não é o membro activo desses tempos, a vida levou-o para outro lado, mas ainda colabora. E ainda se emociona com isso: "Quando pago a quota anual de 20 euros ou compro uma brochura por cinco euros, as pessoas ficam tão contentes que até parece que estou a dar uma fortuna. Eles fazem tanto com tão pouco!". Três condenações num ano Portugal já não é o deserto em matéria de associações de defesa dos direitos das minorias. Hoje, o país é mais diverso e conta com várias organizações não governamentais. Não há, porém, quem não reconheça o papel de uma entidade, como o SOS, a interligá-las, a uni-las numa frente de combate ao racismo e à xenofobia. "O SOS faz com que estejamos mais alerta", considera Rosário Farmhouse, alta comissária para o Diálogo Intercultural. "Às vezes, deviam recolher mais informação antes de avançar para a queixa, mas são pró-activos, não deixam ninguém dormir, e isso é bom." Pela primeira vez, o Estado atribuiu-lhes um subsídio (a propósito do documentário SOS Racismo - 20 anos a quebrar tabus, de Bruno Cabral, um jovem realizador que se espantou com "a diversidade do trabalho realizado pela associação", sobretudo nas escolas). Mas a convivência com o antes Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas já foi muito tensa. Vaz Pinto chegou a processar José Falcão por este acusá-lo de "falsidade, cobardia, desonestidade e incompetência". Na origem do desentendimento com o então alto comissário, a exclusão da associação do Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração. Rui Marques, que ocupou o cargo depois de Vaz Pinto e antes de Farmhouse, sempre foi mais diplomático: "Discordo de muitas posições que toma, mas com certeza tem desempenhado um papel importante". Olhando para estes 20 anos, José Falcão destaca contributos para a criminalização do ódio racial, para a lei da discriminação racial, para a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. Sem deixar de sublinhar o baixíssimo número de condenações, o cheiro a impunidade. "Primeiro, muitas pessoas não sabem que é possível denunciar esses casos e não os denunciam. Segundo, é muito difícil provar um acto racista", justifica Farmhouse, reconhecendo que no ano que agora finda só houve "duas ou três condenações".

A luta continua dentro de momentos, noutro sítio. O SOS deixará em breve o espaço periférico que ocupa na Ameixoeira. Helena Roseta, vereadora da Habitação Social, tinha pensado num sítio central, mas descobriu que estava destinado a moradia. "Para irem para lá, o Plano Director Municipal teria de ser alterado", explicou. "Agora temos duas hipóteses para o SOS ver." Bem mais centrais. A precisar de algumas obras. Será isso uma forma de reconhecimento?

Público, 10/12/2010, Ana Cristina Pereira.

Publicado: Segunda, 13 Dezembro, 2010

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