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Opinião: Os media estão actualmente cheios de notícias sobre migrantes. É uma outra face da crise.

Somos um país de migrantes. Temos uma forte tradição de emigração e somos hoje terra de acolhimento de muitos imigrantes. Espera-se que as migrações assim olhadas nos possam dar uma maior capacidade de compreensão e acrescidos níveis de tolerância para aqueles que "escolhem" outras terras como local de reconstrução ou de melhoria das suas vidas. A nossa transformação em país de imigração está fortemente correlacionada com o crescimento da produção e da riqueza, da maior equidade na sua distribuição e da abertura de oportunidades aliciantes para populações estrangeiras de baixo rendimento, mesmo que com bons níveis de formação académica. Aqui, como em qualquer outro lugar, aplica-se o princípio de que só são bem-vindos aqueles que vierem por bem. Mas as condições de prosperidade de atracção dissiparam-se. Recomeçámos a emigrar e mostramos menor abertura aos que para cá imigram. Sabemos por experiência que a opção migração é sempre carregada de muitas dores. Sabemos também que o destino dos migrantes é tendencialmente o de supletividade para tarefas menores com fraco nível de posicionamento social. Sabemos ainda que a sua grande maioria raramente exibe competências para outros níveis de acomodação social - e quando as exibem são, por questões competitivas, sujeitos a níveis de remuneração mais baixos. A preocupante sequência de notícias sobre repatriamentos, julgamentos, prisões, extradições e intervenções policiais envolvendo imigrantes ilegais, em diferentes países e sectores de actividade, trouxe-me à memória um antigo e inquietante artigo de V. Ruggiero que fui recuperar e que rezava assim: "O aumento no trabalho flexível e ocasional na maioria dos países ocidentais criou uma situação na qual os trabalhadores que têm baixa expectativa social e económica se tornam altamente desejáveis [...] os imigrantes ilegais possuem extraordinária vantagem, porque tão logo que as suas expectativas cresçam os seus empregadores podem denunciá-los à polícia [...] as políticas estritas de imigração não limitam o fluxo de pessoas que buscam recolocar-se nos países ricos, mas somente contribuem para reduzir as expectativas de exigências dos que migram." Hoje, e em plena crise, eu acrescentaria que não só limitam... como condicionam... assim como evocaria os efeitos sobre o emprego ou mesmo sobre o "desemprego forçado" - este por carência de procura, incluindo a de actividades lúdicas em que o pretérito conforto financeiro dos nacionais deu largas à materialização dos sonhos e das afectividades. Cresceram-me as interrogações e senti o dever de as partilhar. Será que valeu a pena?

Economista e professor universitário

 por Fernando Gonçalves, Publicado em 31 de Agosto de 2010

Publicado: Quinta, 11 Novembro, 2010

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